Estudo da consultoria Tendências aponta que deterioração do mercado de trabalho fará com que 15 milhões de brasileiros sejam deslocados para a camada social mais pobre do país até o fim do ano.
Por Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews e G1
25/08/2020 05h01 Atualizado há 3 horas
Postado em 25 de agosto de 2020 às 09h10m
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Crise no mercado de trabalho deve empurrar 3,8 milhões de famílias para classes D e E
A recessão provocada pela pandemia do novo coronavírus,
que atingiu uma economia já fragilizada e com baixo crescimento, vai
empurrar milhões para a camada social mais pobre do país. Além de piorar
a condição de vida de uma fatia significativa da população, a atual
crise deve impedir que parte dos brasileiros consiga progredir
socialmente.
Neste ano, segundo um estudo realizado pela consultoria Tendências, 3,8 milhões de domicílios devem passar a engrossar as classes D e E por causa da piora da economia.
Ao todo, serão cerca de 15 milhões de brasileiros – contingente
equivalente ao número de habitantes do estado da Bahia - que terão uma
piora de condição social e passarão a ter uma renda domiciliar inferior a
R$ 2,5 mil.
Antes da crise sanitária, a Tendências já esperava uma piora do quadro,
devido ao cenário de baixo crescimento econômico. Mas a expansão das
classes D e E seria bem menor: uma alta de 600 mil domicílios. Só a
pandemia será responsável por empurrar mais 3,2 milhões de lares para a
base da pirâmide social, segundo o estudo.
No fim deste ano, 41 milhões de lares estarão nas classes D e E.
O que explica essa pioria adicional é a forte deterioração do mercado
de trabalho, tanto informal como formal, durante a pandemia. Entre maio e
julho, o desemprego cresceu 20,9% e alcançou 12,2 milhões de pessoas.
Mas
o real impacto da doença no mercado de trabalho está escondido em
outros números. No segundo trimestre, por exemplo, 8,9 milhões de
brasileiros perderam o emprego - 6 milhões deles informais. Parte
desse contingente, porém, ainda não voltou a procurar uma recolocação,
seja por conta do risco de contágio da Covid-19 ou devido aos auxílios
que vem recebendo do governo. Portanto, esses números ainda não se
refletiram na taxa de desemprego.
Desemprego diante da pandemia tem alta de 20,9% entre maio e julho, aponta IBGE
"Quando a gente observa o impacto da pandemia no mercado de trabalho, os empregos mais formais ou ligados a posições que exigem maior escolaridade estão sofrendo bem menos", afirma a economista e sócia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. “O grosso (do impacto) é realmente sobre a classe C.”
Não por acaso, boa parte dos novos integrantes das classes D e E deve
vir da classe C - domicílios com renda entre R$ 2,5 mil e R$ 6,1 mil.
Pela projeção da Tendências, a classe C deve perder neste ano quase 2
milhões de domicílios.
De forma geral, os domicílios da classe C têm uma renda bastante
variável porque, de todos os integrantes, apenas um costuma ter um
trabalho fixo. Os demais têm renda variável e, portanto, são sensíveis a
qualquer instabilidade no mercado de trabalho.
"A família de classe C é composta por uma renda fixa, uma pessoa
contratada no regime CLT, e por várias rendas variáveis", diz o diretor
executivo da consultoria Plano CDE, Maurício Prado. "Com o cenário da
pandemia, essas rendas variáveis caíram muito. Então, houve uma queda
muito grande da renda da classe C."
Os trabalhadores da classe C lidam ainda com uma piora adicional
recente no mercado de trabalho, já que atuam majoritariamente em
atividades do setor de serviços, duramente impactadas pela pandemia com a
necessidade de se promover o isolamento social para evitar um avanço
ainda maior da doença.
"O setor de serviços foi muito afetado. Toda a parte de alimentação, de lojas, lazer fora de casa, mesmo cabeleireiro, cosmética. Todos foram muito prejudicados. Isso impacta o emprego dessa classe C, esse emprego de serviços", afirma Maurício.
Sem mobilidade social
Mais
do que promover um retrocesso social no país, a crise causada pela
pandemia também está inviabilizando a ascensão da população brasileira
para novas classes sociais. Uma parte do aumento das classes D e E
é explicada por novos domicílios que se formam automaticamente nesse
grupo, e que, por causa da crise, não conseguem melhorar o padrão de
vida.
Essa dinâmica fica evidente no comportamento da renda dos mais pobres. A
Tendências estima que a massa de renda das classes D e E suba 6,8% este
ano, mas este aumento se dará pelo efeito pontual do Auxílio Emergencial. Sem ele, o quadro seria ainda pior.
O
auxílio, portanto, ajudou a mitigar as perdas para os mais pobres, mas
foi incapaz de promover uma melhora na pirâmide social do país. Para as demais classes, ele não é capaz de evitar uma piora e todas terão redução na massa de renda.
Massa de renda por classe social — Foto: Economia G1
Massa de renda por classe social — Foto: Economia G1
"O grosso desse incremento (da renda das classes D e E) tem a ver com o Auxílio Emergencial", diz Alessandra. “Os domicílios com famílias mais vulneráveis em termos de escolarização e posição no mercado de trabalho são os que estão tendo mais acesso ao auxílio.”
A massa de renda dos mais pobres pode crescer ainda mais neste ano, já
que a projeção realizada pela Tendências trabalha com o cenário de
término do auxílio neste mês. Mas o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que o programa deve seguir até o fim do ano.
Nos próximos dias, o governo deve anunciar detalhes da prorrogação do
auxílio e também da criação do Renda Brasil, programa de renda mínima
que deve juntar outras iniciativas de transferência de renda sob um
mesmo guarda-chuva.
O ponto de partida será o Bolsa Família: a ele, deverão ser apensados
outros programas, como o seguro-defeso, o abono salarial e o Benefício
de Prestação Continuada (BPC).
Beneficiários do auxílio temem perder renda
Com o orçamento doméstico prejudicado pela crise, a indicação de que o
Auxílio Emergencial vai ser prorrogado tem sido visto com alívio pelos
beneficiários do programa.
Auxílio Emergencial ajudou a melhorar a renda dos mais pobres — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
Auxílio Emergencial ajudou a melhorar a renda dos mais pobres — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
Em Salvador, a família de Raimunda Bezerra Teles, de 49 anos, registrou
uma queda na renda domiciliar, de R$ 1,9 mil para R$ 1,6 mil, depois
que ela deixou de receber R$ 300 do aluguel de uma casa.
"Não está tendo falta no meu orçamento por causa do auxílio e pela ajuda da associação (Associação Emília Machado), que tem ajudado, na medida do possível, com doações."
Sem o dinheiro do aluguel, Raimunda tirou dois filhos da escola
particular - a mensalidade de cada um era R$ 150. A casa dela e a que
estava alugada foram interditadas pela prefeitura por risco de
desabamento, depois de uma forte chuva na cidade. Hoje, a família de
Raimunda sobrevive apenas com o salário do marido, operador de máquinas,
e do auxílio.
"Eu tinha uma renda de uma casinha que alugava em frente à minha”, diz
Raimunda. “Com essa renda extra, era o que pagava a escola dos meus
meninos. Minha preocupação é como vou pagar a escola deles no próximo
ano.”
Com um filho de 12 anos, Maria de Fátima Souza Pereira, 49 anos, também
viu sua renda diminuir por causa da pandemia. Ele pescava marisco e
também tem uma ajuda extra do Bolsa Família. Ao todo, ganhava R$ 350 por
mês.
Do que recebia, Maria de Fátima ainda pagava R$ 150 num aluguel de um
imóvel com sala, cozinha, quarto e banheiro. "Masricar era a minha única
renda, mas agora não posso mais."
A situação financeira dela também só não se agravou por causa do Auxílio Emergencial. "Com esse dinheiro é que estou conseguindo pagar aluguel e todas as contas", afirma. "Estou guardando um pouquinho do auxílio para quando acabar. Assim terei uma reserva."
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