"Muitos dos trabalhadores com ensino superior que saíram da força de
trabalho não foram para o desemprego, foram direto para a inatividade.
Não foram procurar emprego, seja por terem uma situação econômica melhor
e poderem esperar uma melhora do mercado, ou por terem que cuidar da
casa e dos filhos, no caso das mulheres."
O IBGE só considera como "desempregado" quem efetivamente procurou emprego no período recente.
Das três categorias de subutilização dos trabalhadores com ensino
superior analisadas pela pesquisadora, o número de trabalhadores
subocupados por insuficiência de horas trabalhadas cresceu 13%; o número
de desocupados aumentou 33%; e o contingente de pessoas na chamada
força de trabalho potencial (que inclui os desalentados e os
indisponíveis) mais do que dobrou, com um avanço de 138% entre o fim de
2019 e o de 2020.
Marianna Rodrigues Martelo, de 27 anos, se formou em odontologia em
dezembro de 2020, mas ainda não conseguiu emprego na área — Foto:
Arquivo pessoal
O drama dos recém-formados
Um grupo importante desses trabalhadores subutilizados com ensino superior são os recém-formados.
Historicamente no Brasil, o desemprego sempre foi maior para a
população mais jovem, de todos os níveis de instrução. Isso porque o
mercado costuma exigir uma experiência que esses trabalhadores não têm.
"Muitos dos que acabaram de se formar podem ter optado por não sair
para procurar emprego agora, porque sabem que a dificuldade é muito
grande. Então eles acabam entrando nessa força de trabalho potencial",
explica Pires.
Marianna Rodrigues Marcelo, de 27 anos, tem vivido na pele essa
realidade. A moradora de Guarulhos (SP) se formou na faculdade de
odontologia em dezembro de 2020, mas ainda não conseguiu encontrar um
emprego na área.
"Já devo ter mandado pelo menos 100 currículos, só hoje mandei uns 20", conta Marianna.
"A
maioria das vagas pede experiência e que se tenha pelo menos um ou dois
anos de formado. Isso complica, porque eu sou recém-formada", afirma.
"A pandemia também pode estar dificultando, porque diminuiu a oferta de
vagas, já que a economia não está girando corretamente."
Os empregadores que estão trabalhando menos do que gostariam
Um outro grupo relevante de pessoas qualificadas e subutilizadas na
pandemia são os empregadores que estão trabalhando menos do que
gostariam, devido às restrições ao funcionamento de empresas,
particularmente no setor de serviços.
Renata Dornelles da Cruz (centro) e suas sócias Priscilla e Cassiana
Alves da Silva, donas do salão de beleza Africaníssimas, em São Leopoldo
(RS): na pandemia, Renata tem dedicado apenas duas manhãs por semana ao
negócio — Foto: Arquivo pessoal
"Há um número muito alto entre os subutilizados qualificados na
pandemia de pessoas que são chefes de família e homens e mulheres
brancos, que geralmente não ficam fora da força de trabalho e agora
passaram a ficar", observa Pires, do iDados.
"Então isso pode estar relacionado a esses pequenos empresários que
acabaram fechando ou dando um tempo nos seus negócios até a coisa
melhorar ou cujas empresas não estão produzindo tanto quanto poderiam."
Conforme o levantamento, 41% dos trabalhadores qualificados e
subutilizados eram chefes de família no quarto trimestre de 2020 e 58%
eram brancos.
A empresária Renata Dornelles da Cruz, de 38 anos e moradora de São
Leopoldo (RS), não é branca, mas é um exemplo desses pequenos
empresários que estão trabalhando menos do que gostariam na pandemia.
São os chamados subutilizados por insuficiência de horas trabalhadas.
Formada em turismo e jornalismo, com especialização em Moda,
Criatividade e Inovação pelo Senac, Renata é proprietária, ao lado de
duas sócias, do salão de beleza especializado em cabelo afro
Africaníssimas.
Com a queda de movimento devido às restrições impostas pelo coronavírus
e sem conseguir renegociar o aluguel, em março deste ano, as sócias
tiveram de devolver o espaço que ocupavam numa galeria na região central
de São Leopoldo e instalaram o salão num imóvel próprio no bairro mais
afastado de Cohab Feitoria.
"Antes eu ia ao salão todo dia. No ano passado, passei a ir no máximo
duas vezes por semana e ficar só meio turno, para deixar mais espaço
para as clientes e porque moro com meus pais que são grupo de risco",
conta Renata, que cuida do marketing, das redes sociais e da gestão
financeira da empresa.
"Esse
ano, com a mudança de endereço, estou totalmente em modo remoto. Como
não tem mais tantos clientes, não tenho mais tanto conteúdo para
produzir. Antes eu trabalhava com as tarefas do salão todos os dias, de
segunda a sábado, quando não domingo. Agora, resolvo tudo em duas
manhãs", relata, quanto à redução das suas horas de trabalho.
Os efeitos para a economia como um todo
Apesar de as histórias de desemprego e subutilização entre os mais
qualificados serem menos dramáticas do que entre os menos qualificados,
que em geral são a população de baixa renda, a perda de rendimentos
entre os mais escolarizados tem efeito sobre a economia como um todo.
Isso porque são esses trabalhadores que recebem a maior parcela da
massa de rendimentos do país - a massa de rendimentos é a soma de todos
os salários. Com isso, eles também são responsáveis pela maior parte do
consumo, movimentando a economia.
"Quem tem ensino superior no Brasil não é a maioria, mas sem dúvida é
quem concentra a maior quantidade de renda e quem mais acaba demandando
produtos e serviços", explica a pesquisadora do IDados.
"Por exemplo, o serviço de empregada doméstica e serviços não
essenciais como salão de beleza e restaurantes, são muito mais
demandados por pessoas com ensino superior e maior nível de renda. Então
esses serviços acabam sendo afetados", diz Pires.
Segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos) publicado ao fim de abril, entre o quarto
trimestre de 2019 e igual período de 2020, o contingente de
trabalhadores domésticos do Brasil diminuiu de 6,4 milhões para 4,9
milhões, o que representa 1,5 milhão de pessoas a menos prestando esse
tipo de serviço.
"Todo o cenário econômico nesse momento está condicionado ao combate à
pandemia e à estratégia de vacinação", avalia a economista.
"Se tivermos uma campanha de vacinação efetiva, os mais qualificados
vão voltar a trabalhar como antes, já que eles no geral são mais
demandados. Mas é difícil traçar um cenários quando as estratégias de
vacinação estão tão incipientes", conclui.
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