Famílias com renda menor não perceberam a queda na inflação registradas principalmente entre março e maio, uma vez que a maior pressão sobre o índice veio dos alimentos.
Por Marta Cavallini, G1
01/08/2020 05h01 Atualizado há 10 horas
Postado em 01 de agosto de 2020 às 10h15m
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Os índices de inflação têm mostrado uma desaceleração na alta dos
preços - mas a população de baixa renda não tem sentido esse efeito no
bolso.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, acumula alta de apenas 0,10% no ano até junho, após ter registrado deflações em abril e maio, em plena pandemia do coronavírus.
No entanto, o que mais pesa no bolso da população de baixa renda, que
são os alimentos, vem subindo bem mais que o índice geral de inflação.
Entre os fatores que explicam esse “descolamento” destacados por
economistas estão os seguintes:
- com a queda na renda, o consumo diminuiu e o foco passou a ser na compra de alimentos básicos que compõem a cesta básica - com o aumento da demanda, os preços subiram;
- estocagem de alimentos em decorrência do isolamento social, sobretudo por parte das famílias de classe média e média alta, que impulsionou os preços, prejudicando as famílias com renda mais baixa;
- desvalorização do real frente ao dólar, que acabou afetando os preços de alimentos como milho, soja e trigo e encareceram os preços das carnes, pães, biscoitos e macarrão, por exemplo.
- efeitos sazonais, principalmente ligados ao clima, que acabaram afetando safras, plantações e pastagens.
De acordo com André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor
do FGV IBRE, as famílias de baixa renda não tiveram exatamente a
percepção de queda na inflação registradas principalmente entre março e
maio porque o que mais pressionou o índice foram os alimentos.
Segundo o IPCA, a alimentação variou 4,09% de janeiro a junho, enquanto o índice geral ficou em 0,10%.
Braz elenca vários fatores para essa alta. No começo do isolamento
social, o medo do desabastecimento fez as famílias estocarem alimentos,
aumentando a demanda pelos produtos, o que contribuiu para o aumento
mais rápido nos preços.
Com o fechamento de restaurantes e lanchonetes, as refeições passaram a
ser feitas em casa, o que fez o consumidor reforçar a despensa e
resultou no aumento da demanda.
Outro ponto relevante tem a ver com a valorização do dólar, que
influencia bastante os preços de alimentos como milho, soja e trigo. “O
trigo encareceu pão francês, biscoito, macarrão e várias outras coisas
que são de uso cotidiano. O milho e a soja não vão direto à mesa do
consumidor, mas servem de ração animal para as proteínas que a gente
consome. As aves comem milho, então se o milho fica mais caro, o frango
encarece também. Suínos e bovinos se alimentam de rações à base de soja e
milho, então a gente também vê o encarecimento dessas carnes também por
conta desses custos com ração”, explica Braz.
Problemas não relacionados com a pandemia também influenciaram no
aumento dos alimentos, como maior demanda por ovos na Quaresma e
problemas com a safra do feijão.
“Os alimentos da cesta básica como arroz, feijão, ovos, carne,
macarrão, leite, café, que são o grosso da nossa cesta básica,
pressionaram mais o custo de vida, tiveram uma demanda mais forte. Isso
ajuda a aumentar o preço, mas também houve a questão cambial, a
preocupação do consumidor com desabastecimento e certa disposição para
estocar, o que não ajudou muito a conter o avanço dos preços", diz Braz.
"Então o grande problema da inflação nos últimos meses ficou na
alimentação e, por isso, ela afetou mais o público de baixa renda que
gasta mais com esse tipo de despesa”.
Em março, quando o isolamento social começou, o IPCA subiu 0,07%. Em
abril caiu 0,31% e em maio a queda foi de 0,38%, voltando a subir 0,26% em junho(veja gráfico abaixo).
“Nós tivemos os últimos meses com taxas baixas e duas negativas, mas as
famílias não perceberam isso, principalmente as de baixa renda. Isso
ocorre porque, quanto menos se ganha, mais o orçamento fica concentrado
na compra de alimentos, na subsistência básica da família”, comenta o
economista.
“Tem ainda aquela sensação de que a inflação está subindo porque a sua renda diminuiu e você não consegue comprar o que quer. Isso contribui também para que as famílias de baixa renda sintam um aperto maior no bolso”, diz.
Braz explica que a alimentação tem peso de 20% no IPCA. Os outros 80%
correspondem a produtos e serviços que ficaram com os preços
relativamente estáveis no período porque não estavam disponíveis devido
ao isolamento, como atividades relacionadas ao lazer e turismo e
serviços como oficina mecânica e salão de cabeleireiro.
O economista da FGV aponta que a gasolina caiu muito de preço entre
março e início de maio, contribuindo para a queda da inflação. No ano,
até junho, o recuo é de 11,88%. Mas, segundo ele, a gasolina não é um
bem de consumo da baixa renda, que gasta com transporte público.
“A cesta de consumo do IPCA é muito diversificada e ela dá mais peso a
outros produtos e serviços. A alimentação é uma variável importante
dentro do IPCA, mas nessa queda de braços ela perdeu porque os outros
80% tinham mais relevância e pressionaram pouco a inflação. Já a
alimentação recebeu todo o impacto pela mudança de hábito de consumo. E
os outros produtos e serviços ninguém procurava muito porque não eram
prioridade para o momento”, afirma.
Além disso, produtos e serviços com preços controlados pelo poder
público como transporte público e planos de saúde foram adiados em
função da pandemia, o que contribuiu também para a queda da inflação.
“Portanto, a inflação dos mais humildes ficou muito concentrada em alimentos, e quanto mais a gente gasta com isso, mais a gente percebe que a nossa inflação está ali e é exatamente o que aconteceu com a baixa renda”, diz Braz.
De janeiro a junho, no ranking dos 20 itens com maior variação de preço, todos são do grupo de alimentação.
A cebola lidera, com alta de quase 95%. Apesar de não estar entre 20
itens com maior alta, o arroz avançou 13,19%, o leite longa vida subiu
13,03%, o ovo, 11,5%, e o óleo de soja, 8,67%.
Veja os itens com maior alta no ano até junho:
- Cebola: 94,72%
- Manga: 67,12%
- Batata-inglesa: 66,47%
- Cenoura: 52,73%
- Abobrinha: 46,28%
- Morango: 42,71%
- Peixe-tainha: 40,81%
- Alho: 38,5%
- Feijão-mulatinho: 33,45%
- Batata-doce: 28,56%
- Feijão-macáçar (fradinho): 28,1%
- Feijão-preto: 27,92%
- Feijão-carioca (rajado): 26,62%
- Coentro: 25,66%
- Açaí (emulsão): 24,68%
- Pepino: 22,58%
- Cheiro-verde: 19,86%
- Tomate: 19,53%
- Peixe-filhote: 19,25%
- Pimentão: 16,42%
Inflação dos alimentos está afetando os brasileiros com menor renda durante a pandemia
Índice específico para baixa renda
A Fundação Getulio Vargas (FGV) tem um índice que mede a inflação de
baixa renda, o chamado IPC-C1, que abrange famílias com renda até 2,5
salários mínimos mensais. O índice tem uma cesta de consumo restrita:
quanto menor a renda, menos produtos e serviços as famílias tendem a
consumir e mais elas gastam com alimentos. Por isso, esse índice subiu
mais em comparação com o indicador que mede a inflação para o restante
da população.
A inflação geral medida pela FGV para as famílias de baixa renda no
acumulado dos últimos 12 meses está em 2,66%. Já a das famílias de renda
mais alta ficou em 2,22%.
Já os alimentos da baixa renda subiram em média 7,5% nos últimos 12 meses, enquanto para o restante da população subiram 6,5%.
“Isso deve ser mantido ao longo do ano porque não existe expectativa de
que os preços dos alimentos devolvam toda essa gordura acumulada nesse
período de pandemia. A gente depende de safras melhores daqui para
frente, de uma valorização do real frente ao dólar que é incerta, é um
período de maior incerteza tanto no Brasil como no mundo, então
alimentos eles devem ser o desafio da inflação para 2020 e ele desafio
tende a ser maior para as famílias de baixa renda”, avalia Braz.
Monopólio de preços e empobrecimento da dieta
O professor dos cursos de Administração de Empresas da UNG, Carlos
Darienzo, ressalta que a queda na renda e aumento do desemprego durante a
pandemia influenciaram no aumento dos preços para a baixa renda.
“Essas famílias viram suas rendas cessar por completo ou diminuir, e
quando a renda cai, elas consomem menos. Com a pandemia, o foco no
consumo ficou nos alimentos básicos que compõem a cesta básica. Se eu só
posso comprar arroz, feijão e farinha, a renda que eu tenho vai ser
toda direcionada para isso. Assim, a demanda por esses produtos aumenta e
em consequência o preço aumenta também”, explica.
Segundo o economista, a saída das famílias tem sido comprar produtos de
marcas mais baratas, que também pertencem às mesmas empresas que
atendem aos mais diferentes níveis de renda. “Então não há liberdade de
preço ou uma concorrência entre empresas de produtos e os preços não
refletem essa dificuldade em fazer essa troca”, diz.
Carlos Darienzo aponta ainda que uma das consequências da alta dos
preços afetando o poder de compra é o empobrecimento da dieta. “Num
momento de crise, você começa a estocar arroz, feijão, farinha, óleo, ou
seja, alimentação básica, e certamente teremos consequências depois na
área de saúde pois se trata de um empobrecimento da dieta”, afirma.
Projeções
Braz aponta que o desemprego e queda na renda freiam o consumo, e isso
pressiona menos a inflação. A expectativa dele é que o IPCA feche neste
ano abaixo de 2%, entre 1,5% e 1,6%.
A meta central do governo para a inflação em 2020 é de 4%, e o
intervalo de tolerância varia de 2,5% a 5,5%. Para alcançá-la, o Banco
Central eleva ou corta a taxa básica de juros da economia (Selic) –
atualmente em 2,25%, seu menor patamar da história.
“Inflação boa é inflação na meta, a meta para 2020 é 4%, que
sustentaria um nível de crescimento satisfatório da nossa economia, mas o
desafio deste ano foi a pandemia e os efeitos que ela provocou, então
não há como fugir desse cenário”, avalia.
O economista considera que alimentação passará a subir menos, mas, para
ele, ter uma inflação menor não ajuda muito, porque o principal desafio
é a falta da renda.
“A família até dribla a inflação quando tem algum recurso. Mesmo que a
inflação de alimentos fosse zero, seria um desafio porque muitas
famílias tiveram redução de renda forte, então isso aumenta a sensação
de que a inflação está maior do que de fato a gente consegue medir. A
tendência é a situação de forma geral melhorar gradualmente com o
retorno das atividades, mas a melhora entre as famílias de baixa renda
está longe de acontecer”, estima.
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