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sábado, 29 de janeiro de 2022

Venda de vinhos no Brasil 'supera' dólar caro e mantém ritmo forte em 2021 mesmo depois de ano recorde

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Queda de apenas 2% é comemorada pelo setor depois de alta histórica de mais de 30% em 2020; vinhos finos foram destaque novamente, mas consumidor sentiu o encarecimento do produto com dólar muito alto e inflação de dois dígitos.
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Por Raphael Martins, g1

Postado em 29 de janeiro de 2022 às 08h45m

Post. N. =  0.418

Pequeno Dicionário dos Vinhos — Foto: Porto a Porto
Pequeno Dicionário dos Vinhos — Foto: Porto a Porto

Depois do ano de maior sucesso da história, a venda de vinhos no Brasil registrou uma leve queda de 2% em 2021. Foram 489,4 milhões de litros comercializados no período, segundo dados de Ideal Consulting fornecidos com exclusividade ao g1.

Produtores comemoram a notícia, pois as vendas seguem firmes acima dos patamares pré-pandemia – alta de 27,4% contra 2019. Como o g1 registrou no ano passado, o mercado nacional de vinhos teve expansão considerável desde a chegada do coronavírus ao país.

O fechamento de bares e restaurantes deu tração ao vinho como opção para os momentos de lazer em casa. Resultado disso é que, em 2020, as vendas de vinhos bateram recorde e acumularam alta de 31%, segundo os dados da Ideal. Ao todo, foram 501,1 milhões de litros comercializados naquele ano.

Além das vendas, o consumo de vinho no país também subiu 18% em 2020, de acordo com a medição da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). Foram 430 milhões de litros, elevando a média per capita do brasileiro para 2,6 litros de vinho no ano. Os dados de 2021 ainda não foram consolidados.

Já em 2021, na medição da Ideal, o destaque absoluto fica com a venda de vinhos finos brasileiros, que sustentou crescimento e teve nova alta de 23% no ano passado. A notícia é excelente para os produtores, pois os finos são aqueles de maior qualidade, feitos com uvas próprias para a produção da bebida, as vitiviníferas.

Em dois anos, a participação dos vinhos finos brasileiros no mercado dobrou, para 8%. Mas ainda perde por muito para os importados (34%) e para os vinhos de mesa, de menor qualidade e que ocupam a maior fatia do mercado: 58%.

O mercado brasileiro de vinhos em 2021 — Foto: Arte g1
O mercado brasileiro de vinhos em 2021 — Foto: Arte g1

Os nacionais de mesa tiveram redução de 11% nas vendas, o que puxou para baixo o resultado anual. Ao mesmo tempo, a redução do interesse pelo produto é uma notícia relativamente positiva para quem quer elevar o nível do vinho nacional.

Bom resultado também para os espumantes, que tiveram alta de 35%. A observação a ser feita é que eventos e celebrações foram completamente paralisados em 2020, o que havia prejudicado as vendas da categoria. De base de comparação mais baixa, o crescimento percentual foi maior.

Os números da Ideal dão conta da venda de vinícolas para supermercados, lojas e restaurantes, somando importações. Captam, portanto, a formação de estoque e não a venda na ponta.

O desafio do ano passado era sustentar o volume de abastecimento do mercado. Este desafio foi alcançado. Agora, o mercado começa 2022 com estoques elevados e projeções econômicas ainda mais desfavoráveis, diz Felipe Galtaroça, CEO da Ideal. 
Foi bom, mas podia ser melhor

Os produtores consideram os números positivos porque o cenário de 2021 foi diferente e prejudicou um arranque maior do mercado. A inflação de dois dígitos diminuiu o poder de compra da população e reduziu o acesso a itens mais caros, como o vinho.

Além disso, o dólar ainda em patamares muito altos prejudicou tanto os importadores como a indústria vitivinífera brasileira, que sofreu com encarecimento de insumos trazidos de fora. Muito por causa do câmbio, a venda de importados em 2021 cresceu menos que a de vinhos finos e espumantes nacionais: os vinhos finos tiveram alta de 5%, enquanto os espumantes, de 17%.

Por fim, a pandemia passou a trazer mais impacto na cadeia produtiva de fornecedores, aumentando o custo de produção do vinho em todo o mundo.

Um caso emblemático no Brasil foi a escassez de vidro para produção de garrafas, mas houve também quebra de safra de uvas no exterior e aumento dos custos de logística, com preço mais alto do petróleo e de frete por contêineres.

Falta de garrafa causa impacto na produção de vinho nacional, que vive seu melhor momento
Falta de garrafa causa impacto na produção de vinho nacional, que vive seu melhor momento

Mercado quente

Mesmo com grandes desafios na equação de crescimento do mercado de vinhos no país, os números recentes encheram os olhos de grandes empresas do setor, que se mexeram para aproveitar o bom momento.

Duas manobras chamam atenção.

Em outubro, a Evino fechou a compra integral da Grand Cru. Trata-se da união entre o maior e-commerce de vinhos da América Latina e uma das principais importadoras de rótulos mais refinados, que possui 127 lojas físicas – das quais 35 foram abertas no último ano.

Os valores do negócio não foram divulgados. As marcas seguem apartadas, mas formam uma holding em que o faturamento estimado para 2021 chega à casa dos R$ 800 milhões – um crescimento conjunto de 26%.

"A junção permite tratar do cliente iniciante ao avançado, do portfólio de entrada ao refinado, com competências que vão do digital ao físico. Ainda assim, temos uma fatia pequena de um mercado que está em crescimento", diz Alexandre Bratt, CEO da holding.

Ari Gorenstein, Marcos Leal e Alexandre Bratt anunciaram a nova configuração da holding entre Evino e Grand Cru neste mês — Foto: Jussara Martins/Divulgação
Ari Gorenstein, Marcos Leal e Alexandre Bratt anunciaram a nova configuração da holding entre Evino e Grand Cru neste mês — Foto: Jussara Martins/Divulgação

O executivo conta ainda que, além do trabalho de unificação de operação e cultura empresarial, a nova holding trabalha na convergência dos bancos de dados para criar modelos de venda mais sofisticados e aprimorar entregas. A projeção de crescimento no faturamento é de 28% em 2022.

Por óbvio, a concorrência não estava parada. A Wine anunciou, em maio, a compra da importadora Cantu, por R$ 180 milhões. A operação serve para ampliar a gama de vinhos estrangeiros da empresa, fazer crescer volume e portfólio, além de tirar vantagem da expertise da Cantu no atendimento aos outros canais de venda.

"A união nos fez crescer 30% em importações no ano. Isso é fundamental para nos dar escala, pois é o melhor jeito de manter o custo benefício", diz Marcelo D'Arienzo, CEO da Wine.

Para o empresário, a "base da pirâmide" – ou seja, os novos bebedores de vinho – são fundamentais para o resultado que o mercado atingiu nos últimos anos, mas são justamente os mais sensíveis a reajuste de preço em ambiente de inflação e dólar altos.

"Conforme se avança na gama de preço há uma flexibilidade maior, porque é possível substituir. Por isso é muito importante focar nas faixas mais baratas, isso define quem vai tomar ou deixar de tomar o vinho fino", afirma.

Em expansão, a empresa também estuda uma oferta pública inicial de ações na bolsa de valores. De janeiro a setembro do ano passado, a receita líquida da empresa cresceu 58% contra o mesmo período de 2020. A captação de recursos serviria para ampliar tecnologia, aquisição de empresas que a auxiliem no negócio, investimento em marketing e abertura de lojas físicas.

Foram duas tentativas de se lançar na bolsa, mas a empresa recuou – os gestores esperam um momento mais positivo do mercado acionário. Não custa lembrar: a perspectiva de crescimento lento, a inflação, as crises fiscal e política do país fizeram o Ibovespa cair 12% no ano passado.

Centro de distribuição da Wine, em Vitória (ES) — Foto: Divulgação
Centro de distribuição da Wine, em Vitória (ES) — Foto: Divulgação

A safra das safras

Além da avalanche de pedidos, o ano de 2020 foi revolucionário para o mercado de vinhos com o que os enólogos brasileiros chamaram de "safra das safras". Em suma, os vinhos finos do país ganharam popularidade, enquanto as vinícolas trabalhavam em rótulos ainda melhores para despejar nas prateleiras em 2021.

Alexandre Miolo, diretor comercial da vinícola Miolo, estima que a empresa tenha fechado o ano passado com crescimento da ordem de 30%, mesmo depois do melhor ano da história, quando o faturamento havia subido 60%.

"A pandemia foi um despertar para o vinho brasileiro, e todo o mercado – das vinícolas grandes às pequenas – investiu muito em ajudar o consumidor a se iniciar nesse mundo", afirma.

Miolo conta ainda que o dólar, uma das maiores dores da indústria, trouxe complicações nas renegociações com fornecedores e obrigou alguns reajustes de preço, mas também permitiu que o vinho brasileiro se destacasse no momento de escolha contra um importado.

"Ficou a percepção que um vinho importado de R$ 50 e um brasileiro de R$ 50 podem bater de frente. A Miolo fez muito movimento de portfólio e criou novas linhas para continuar com preço competitivo", diz o empresário.

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Novos negócios

A popularização do vinho criou ambiente fértil também para o surgimento de novos empreendedores, em um circuito que tradicionalmente era dominado pelas famílias tradicionais do vinho e grandes empresas.

Ex-funcionário de vinícolas no Rio Grande do Sul e consultor de negócios, Diego Bertolini uniu suas experiências prévias para abrir, ainda em 2020, uma "escola" focada em pequenos empreendedores que gostariam de se aventurar no setor.

Desde a fundação, em abril daquele ano, a Educa Vinhos formou 1.700 alunos em quase todos os setores da cadeia de produção: plantação de vinhedos, comércio físico e digital, além de projetos de tecnologia com foco no vinho.

No pacote ao custo de R$ 3,5 mil estão aulas ao vivo, outras gravadas, atividades de networking que conectam possíveis fornecedores com comerciantes e tutoria para novos negócios. A empresa deve desenvolver neste ano cursos para qualificar bares e restaurantes que pretendem inserir o vinho na carta de opções ao cliente.

"A ideia é aumentar a cultura do vinho por todas as frentes. Hoje, o concorrente do vinho brasileiro é a cerveja", diz Bertolini.

Lilian e André Junqueira, sócios da AmeVino — Foto: Arte g1/Divulgação
Lilian e André Junqueira, sócios da AmeVino — Foto: Arte g1/Divulgação

Do Educa Vinhos saíram projetos como a AmeVino, que começou como um pequeno e-commerce e deu um passo adiante ao desenvolver um rótulo próprio, chamado Aviatore. A inspiração vem dos próprios sócios, André e Lilian Junqueira, que são piloto e comissária de bordo.

A vontade de trabalhar com vinho era antiga, mas a empresa começou a tomar forma em meados de 2020, quando o setor de aviação foi paralisado pela pandemia. Hoje, o casal concilia os dois trabalhos.

"A galera da aviação é muito identificada com o que faz e nós juntamos duas paixões. Aviador gosta de vinho, tem poder aquisitivo e acaba consumindo muito", diz Lilian.

Ao estilo "item de colecionador", as garrafas do Aviatore são numeradas e a produção foi limitada a 300 unidades. Os primeiros exemplares do "blend" (jargão para a mistura de uvas do vinho) de petit verdot, merlot e cabernet sauvignon, plantadas no Rio Grande do Sul, foram vendidas por R$ 249, mas agora custam R$ 299.

"Nosso foco inicial era o e-commerce, mas estamos de olho no mercado e encontramos um diferencial nesse nicho. Devemos ter três novos rótulos ainda este ano", afirma André.

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