Falta de clareza sobre a duração da doença, elevada capacidade ociosa na indústria e baque no caixa das companhias provocado pela crise sanitária dificultam planos de expansão das empresas.
Por Luiz Guilherme Gerbelli, G1
19/07/2020 11h08 Atualizado há 3 horas
Postado em 19 de julho de 2020 às 14h15m
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A pandemia de coronavírus deve travar os investimentos na economia
brasileira neste ano. A falta de clareza sobre a duração da doença, a
elevada capacidade ociosa na indústria e o baque no caixa das companhias
provocado pela crise sanitária dificultam os planos de expansão das
empresas.
Com a combinação de todos esses fatores, ficou mais difícil para as
companhias terem a certeza de que um investimento vai valer a pena e se
traduzir em ganhos para o seu negócio.
Um sinal de como o futuro da economia está nebuloso tem sido apurado
mensalmente pelo Indicador de Incerteza da Economia, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Em junho, o indicador marcou 173,6 pontos, um patamar elevado historicamente.
Na comparação com maio, até houve uma queda de 16,7 pontos, mas antes
da pandemia do coronavírus, por exemplo, o pico do indicador foi de
136,8 pontos, em setembro de 2015, quando o país perdeu o grau de investimento.
"Existem evidências de que uma incerteza muito elevada tem efeito
negativo no investimento", afirma a economista do Ibre/FGV Anna Carolina
Gouveia. "As empresas precisam de certa clareza sobre a viabilidade de
um investimento."
O desempenho do investimento – ou da formação bruta de capital fixo –
tem um papel fundamental. Quando ele avança, ajuda, por exemplo, a
aumentar o PIB potencial, permitindo um crescimento mais forte de longo
prazo.
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já dão uma amostra de como os investimentos têm sido abalados pela crise atual. No acumulado do ano até maio, o Indicador Ipea de Formação Bruta de Capital Fixo recuou 8,6%. Em 12 meses, o tombo é de 2,8%.
"A queda do investimento tende a ser maior do que a do PIB. Nesse ambiente de desconfiança, as empresas, que também enfrentam problemas de fluxo de caixa, tendem a cortar o que não é essencial, como os investimentos", diz o economista e diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo de Castro Souza Junior.
No Brasil há, sobretudo, uma dúvida em relação ao tamanho da duração da
pandemia país e quando será possível ver a economia operando próximo da
normalidade. Embora a reabertura das atividades econômicas esteja
ocorrendo, o número de mortes por Covid-19 segue elevado, sem sinais de
alívio.
Média móvel de casos de coronavírus na última semana aponta 1056 mortes por dia no RS
"O quadro não é bom para o investimento", afirma o economista-chefe do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael
Cagnin. "Ainda há muito desconhecimento em relação ao comportamento do
vírus. Não se sabe se haverá outras ondas ou não da doença."
Queda da capacidade instalada
A paralisação da economia provocou um efeito adicional de queda da
utilização da capacidade instalada na indústria, o que se transforma num
fator extra de dificuldade para a retomada dos investimentos. A
empresas só vão se planejar para ampliar a sua capacidade produtiva no
momento em que essa ociosidade começar a ser reduzida.
Em junho, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI),
a utilização da capacidade instalada do setor foi de 69,6%, acima dos
67% apurados em maio, mas abaixo dos 78,1% verificados no mesmo mês do
ano passado.
"As fábricas não poderão trabalhar com capacidade plena porque terão de
adotar medidas para evitar a disseminação da doença", diz o
gerente-executivo de economia da CNI, Renato da Fonseca. "A própria
empresa não tem nesse momento necessidade de investir em expansão da
capacidade."
Quadro já era de dificuldade
O quadro de dificuldade nos investimentos só foi agravado pela
pandemia. Nos últimos anos, o país não conseguiu engatar um crescimento
consistente dos investimentos. Em 2019, a formação bruta de capital fixo cresceu apenas 2,2%.
O setor de máquinas e equipamentos – bastante sensível ao comportamento
dos investimentos – só voltou a crescer em 2019, com avanço de 10% no
faturamento. Foi a primeira alta desde 2013.
“Hoje, o setor é 44% menor na comparação com a média de faturamento
observada entre 2010 e 2013”, afirma o presidente da Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José
Velloso.
Neste ano, a indústria de máquinas e equipamentos planejava repetir o
crescimento de 10%. Mas a crise provocada pelo coronavírus fez com que a
previsão de melhora desse lugar a uma retração de 10%.
"Os meses de janeiro e fevereiro estavam indo bem, dentro das nossas
expectativas", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria
de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. "Em abril, já com os
efeitos da pandemia, tivemos uma queda (de faturamento) de 28% em
relação a abril e na comparação com o ano anterior."
Infraestrutura e reformas
A equipe econômica aposta nos projetos de infraestrutura para alavancar
os investimentos no país. O governo tem prometido um ambicioso projeto
de concessões e adotado um discurso de que os investimentos deverão ser
conduzidos pela iniciativa privada diante da pouca margem fiscal do
setor público.
Nesta semana, o governo sancionou o novo marco legal do saneamento básico.
A medida permite o aumento da participação privada no setor. Segundo o
Ministério da Economia, o novo marco deve atrair cerca de até R$ 700
bilhões em investimentos nos próximos 14 anos.
Bolsonaro sanciona novo marco do saneamento básico, com 11 vetos
A atração desse investimento privado, no entanto, segundo economistas,
vai depender da capacidade do governo de seguir adiante com a agenda de
reformas.
"No ano que vem, a gente pode ter uma recuperação desse investimento.
Mas vai depender muito da reação do governo e do Congresso de acelerar a
agenda de reformas", diz Souza Junior, do Ipea. "São necessárias
reformas para permitir um equilíbrio fiscal e melhorar a produtividade
do país."
Na terça-feira (14), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que os deputados vão retomar, ainda nesta semana, o debate sobre a reforma tributária.