"Quando
a gente observa o impacto da pandemia no mercado de trabalho, os
empregos mais formais ou ligados a posições que exigem maior
escolaridade estão sofrendo bem menos", afirma a economista e sócia da
consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. “O grosso (do impacto) é
realmente sobre a classe C.”
Não por acaso, boa parte dos novos integrantes das classes D e E deve
vir da classe C - domicílios com renda entre R$ 2,5 mil e R$ 6,1 mil.
Pela projeção da Tendências, a classe C deve perder neste ano quase 2
milhões de domicílios.
De forma geral, os domicílios da classe C têm uma renda bastante
variável porque, de todos os integrantes, apenas um costuma ter um
trabalho fixo. Os demais têm renda variável e, portanto, são sensíveis a
qualquer instabilidade no mercado de trabalho.
"A família de classe C é composta por uma renda fixa, uma pessoa
contratada no regime CLT, e por várias rendas variáveis", diz o diretor
executivo da consultoria Plano CDE, Maurício Prado. "Com o cenário da
pandemia, essas rendas variáveis caíram muito. Então, houve uma queda
muito grande da renda da classe C."
Os trabalhadores da classe C lidam ainda com uma piora adicional
recente no mercado de trabalho, já que atuam majoritariamente em
atividades do setor de serviços, duramente impactadas pela pandemia com a
necessidade de se promover o isolamento social para evitar um avanço
ainda maior da doença.
"O
setor de serviços foi muito afetado. Toda a parte de alimentação, de
lojas, lazer fora de casa, mesmo cabeleireiro, cosmética. Todos foram
muito prejudicados. Isso impacta o emprego dessa classe C, esse emprego
de serviços", afirma Maurício.
Sem mobilidade social
Mais
do que promover um retrocesso social no país, a crise causada pela
pandemia também está inviabilizando a ascensão da população brasileira
para novas classes sociais. Uma parte do aumento das classes D e E
é explicada por novos domicílios que se formam automaticamente nesse
grupo, e que, por causa da crise, não conseguem melhorar o padrão de
vida.
Essa dinâmica fica evidente no comportamento da renda dos mais pobres. A
Tendências estima que a massa de renda das classes D e E suba 6,8% este
ano, mas este aumento se dará pelo efeito pontual do Auxílio Emergencial. Sem ele, o quadro seria ainda pior.
O
auxílio, portanto, ajudou a mitigar as perdas para os mais pobres, mas
foi incapaz de promover uma melhora na pirâmide social do país. Para as demais classes, ele não é capaz de evitar uma piora e todas terão redução na massa de renda.
Massa de renda por classe social — Foto: Economia G1
"O grosso desse incremento (da renda das classes D e E) tem a ver com o
Auxílio Emergencial", diz Alessandra. “Os domicílios com famílias mais
vulneráveis em termos de escolarização e posição no mercado de trabalho
são os que estão tendo mais acesso ao auxílio.”
A massa de renda dos mais pobres pode crescer ainda mais neste ano, já
que a projeção realizada pela Tendências trabalha com o cenário de
término do auxílio neste mês. Mas o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que o programa deve seguir até o fim do ano.
Nos próximos dias, o governo deve anunciar detalhes da prorrogação do
auxílio e também da criação do Renda Brasil, programa de renda mínima
que deve juntar outras iniciativas de transferência de renda sob um
mesmo guarda-chuva.
O ponto de partida será o Bolsa Família: a ele, deverão ser apensados
outros programas, como o seguro-defeso, o abono salarial e o Benefício
de Prestação Continuada (BPC).
Beneficiários do auxílio temem perder renda
Com o orçamento doméstico prejudicado pela crise, a indicação de que o
Auxílio Emergencial vai ser prorrogado tem sido visto com alívio pelos
beneficiários do programa.
Auxílio Emergencial ajudou a melhorar a renda dos mais pobres — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
Em Salvador, a família de Raimunda Bezerra Teles, de 49 anos, registrou
uma queda na renda domiciliar, de R$ 1,9 mil para R$ 1,6 mil, depois
que ela deixou de receber R$ 300 do aluguel de uma casa.
"Não
está tendo falta no meu orçamento por causa do auxílio e pela ajuda da
associação (Associação Emília Machado), que tem ajudado, na medida do
possível, com doações."
Sem o dinheiro do aluguel, Raimunda tirou dois filhos da escola
particular - a mensalidade de cada um era R$ 150. A casa dela e a que
estava alugada foram interditadas pela prefeitura por risco de
desabamento, depois de uma forte chuva na cidade. Hoje, a família de
Raimunda sobrevive apenas com o salário do marido, operador de máquinas,
e do auxílio.
"Eu tinha uma renda de uma casinha que alugava em frente à minha”, diz
Raimunda. “Com essa renda extra, era o que pagava a escola dos meus
meninos. Minha preocupação é como vou pagar a escola deles no próximo
ano.”
Com um filho de 12 anos, Maria de Fátima Souza Pereira, 49 anos, também
viu sua renda diminuir por causa da pandemia. Ele pescava marisco e
também tem uma ajuda extra do Bolsa Família. Ao todo, ganhava R$ 350 por
mês.
Do que recebia, Maria de Fátima ainda pagava R$ 150 num aluguel de um
imóvel com sala, cozinha, quarto e banheiro. "Masricar era a minha única
renda, mas agora não posso mais."
A
situação financeira dela também só não se agravou por causa do Auxílio
Emergencial. "Com esse dinheiro é que estou conseguindo pagar aluguel e
todas as contas", afirma. "Estou guardando um pouquinho do auxílio para
quando acabar. Assim terei uma reserva."